A maior demanda por posicionamento das organizações exige uma reflexão estratégica para evitar o greenwashing
Começo de ano é uma oportunidade para retomar aqueles projetos que ficaram na gaveta ou de pensar em novas ideias e propostas. Para as empresas também é um momento de retomada, em especial quando passamos por dois anos tão desafiadores como foram 2020 e 2021.
Embora ainda estejamos sob uma pandemia e seus impactos, algumas questões ganharam espaço na agenda - questões climáticas, diversidade, entre outras. É importante aproveitarmos esse aquecimento e o momento para endereçar pautas fundamentais de promoção de mudança da sociedade.
Todas as vezes que vemos um assunto ?estourar? na mídia tradicional e nas mídias sociais temos um efeito colateral: um pouco de confusão sobre o que aquilo tudo de fato significa. Com a agenda ESG não é diferente. As três letrinhas estão por todos os lados e com isso muita dúvida sobre como endereçar as questões sociais, ambientais e de governança dentro das organizações.
Embora com origens distintas, a sustentabilidade e o ESG caminham na mesma direção. Sem se aprofundar em conceitos, a primeira tem origem no CSR (Corporate Social Responsibility - Responsabilidade Social Corporativa) que, ainda no início da década de 1970, nos EUA, através de publicações do CED (Committee for Economic Development - Comitê para Desenvolvimento Econômico) enfatizava que os negócios (e empresas) estavam sendo chamados a comprometer-se com a sociedade sob outros vieses, inclusive aquele do bem estar social. Já a origem da segunda, ESG, está conectada ao SRI (Socially Responsible Investing ou Sustainable & Responsible Investing), que, também na década de 1970, tornou-se pauta de uma reivindicação contra a gigante General Motors e inaugurou na SEC (Securities Exchange Commission, a CVM dos Estados Unidos) a instalação de aspectos sociais (e posteriormente ambientais também) em suas análises.
Embora tenha ganhado espaço na mídia tradicional mais recentemente, a primeira menção ao termo ESG, como tal, é de 2004, em uma publicação do Pacto Global que se chama ?Who Cares Wins - Connecting Financial Markets to a Changing World?, e apesar de não trazer novidades no cerne da questão, o ESG é um modelo de integração dos aspectos ambientais, sociais e de governança às decisões de investimento do setor financeiro e mercado de capitais.
A recente pesquisa ?Retrato da Sustentabilidade no Mercado de Capitais?, feita pela Anbima (a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) com mais de 200 gestoras de recursos brasileiras classificou cinco padrões de comportamento, de desconfiado a engajado, ou seja, desde enxergar a pauta ESG como uma ameaça até aqueles que olham para isso como estratégia de ação, como um compromisso a seguir e manter (nas duas categorias mais avançadas no tema são quase 30% das gestoras respondentes).
Adicionalmente, importa dizer que a agenda ESG tem modificado o panorama dos investimentos financeiros. De acordo com o Global Sustainable Investment Alliance (GSIA) ? e sua publicação Global Sustainable Investment Review 2020 (GSIR) - no início de 2020, o investimento sustentável global atingiu um valor de US$ 35,3 trilhões, nos cinco principais mercados cobertos pelo relatório (Europa, Estados Unidos, Canadá, Japão e Austrália + Nova Zelândia), um aumento de 15% considerando um período de dois anos (2018-2020) e 55% em um período de quatro anos (2016-2020).
Se há mais investidores com a intenção de investir em empresas com prática mais avançadas, qual é o caminho para as empresas que desejam incorporar a agenda ESG em seus negócios e estar apta a receber esses investimentos? Sem a intenção de esgotar a discussão, aqui são sugeridos seis primeiros passos para que uma empresa, de qualquer tamanho e qualquer setor, possa começar:
- Defina qual é o apetite da empresa: o apetite (para agenda ESG) pode ser definido pelo nível de ambição que uma organização está disposta a perseguir enquanto caminha com seus objetivos, e, por que não, o nível de risco (ou oportunidade) que vislumbra na incorporação de aspectos sociais, ambientais e de governança nos negócios. Os ESG são estratégicos e avançar nessa agenda exige reflexão e vontade da alta liderança.
- Compreenda o que é relevante (materialidade): da mesma forma que ao começar um novo negócio são realizados estudos de mercado, para atuar com os aspectos ESG é preciso saber o que é mais relevante para o seu setor, seu porte, local de atuação e sua ambição. Por ser uma agenda estratégica a relação com o negócio é essencial.
- Entenda seu estágio (diagnostique): faça perguntas difíceis, entenda o que já existe e está formalizado, o que existe de forma tácita e precisa de aperfeiçoamento, e o que ainda não está na pauta da empresa. Uma possibilidade relevante para empresas que estão iniciando nesta jornada é fazer um levantamento setorial, de riscos e oportunidades, que servirá para enxergar as melhores escolhas ou trajetórias.
- Construa sua jornada ESG (plano de ação): assim como a gestão empresarial é um processo, a jornada ESG também o é. Não existe uma receita única. Portanto, construir um plano de ação com orçamento, prazo, responsáveis e indicadores para endereçar lacunas do diagnóstico e apoiar o avanço na agenda, é essencial.
- Governança do processo é fundamental (engaje as pessoas): a estratégia ESG não pode ser projeto de uma área ou de uma pessoa, mesmo que seja o CEO! ESG é uma agenda que deve permear a empresa inteira e para que todos remem na mesma direção é importantíssimo trabalhar comunicação e capacitação.
- Dê transparência sobre a jornada (comunique): Hoje são muitos os padrões e referencias internacionais para divulgação de informações ESG. Invista em conhecer estas referências e em elaborar um processo de comunicação consistente. Lembre-se de todos os stakeholders na hora de definir sua estratégia de comunicação e as diferentes ferramentas que utilizará.
- Vale a pena entrar de forma genuína nessa jornada, pois estudos mostram que não fazer é pior que fazer, como aquele publicado em 2015 (G. Friede et al. 2015) que revisou mais de 2000 pesquisas empíricas e mostrou que a correlação entre proposições ESG e o retorno sobre investimentos é 63% positiva e conclui que a ?a orientação para investimentos responsáveis a longo prazo deve ser importante para todos os tipos de investidores racionais, a fim de cumprir seus deveres fiduciários e pode alinhar melhor os interesses dos investidores com os objetivos mais amplos da sociedade? (G. Friede et al. 2015, 227).
O ESG como entendemos hoje já se tornou tendência nos mercados e distintos setores, e existem ferramentas e empresas capacitadas para auxiliar. Se ainda não começou sua jornada, a hora é agora. Não dá para deixar para depois!
* Felipe Nestrovsky é Head de Consultoria ESG para Empresas e Melissa Rizzo Battistella é especialista ESG da SITAWI Finanças do Bem