Quais os limites da parceria entre os homens e as máquinas?

A pergunta pode parecer exagerada, mas não é; qual o limite da automação? Qual o seu impacto no mercado de trabalho do futuro? E na educação?

Por Fernando Shayer*

Poucas coisas na vida são tão gostosas como as férias. Acordar e dormir tarde, ficar de bobeira, ir à praia, ler livros ou ficar horas assistindo séries ou filmes no Netflix. Só de pensar em voltar ao dia-a-dia do trabalho já dá preguiça.

Com a Revolução Digital, muitas coisas que fazíamos apenas presencialmente passaram a ser executadas do nosso sofá. Um bom exemplo é a nossa vida bancária: no mundo do pix, não me recordo da última vez em que fui presencialmente a uma agência bancária. Idem para fazer compras de mês, pedir comida e remédios.

Também assistimos a qualquer filme sem ir à locadora, e ouvimos qualquer música sem ir a uma loja: tudo é feito via streaming, do nosso smartphone. Nem ir ao ponto de táxi vamos mais: chamamos um uber em casa. Cada vez mais, as máquinas fazem as coisas por nós e nos sentimos nus sem elas.  Você já parou para pensar qual o limite disso? Será que, algum dia, não faremos mais nada?

A pergunta pode parecer exagerada, mas não é. Na verdade, muitos economistas se debruçam sobre ela. Qual o limite da automação? Qual o seu impacto no mercado de trabalho do futuro? E na educação?

No mundo atual, acontecem dois tipos de educação ao mesmo tempo: a educação de humanos e a educação das máquinas (machine learning). Para se educar humanos, é necessário levar em conta toda a sua complexidade; ou seja, é preciso respeitar o seu estágio de desenvolvimento e ritmo de aprendizagem, seus atributos fisiológicos, sua emoção, sua relação com o professor, com os colegas e com a família. Cada aluno aprende de um jeito e para que todos saibam a mesma coisa, é preciso ensinar um a um.

Para se educar máquinas, é preciso criar códigos no computador, via programação. Isso resolvido, todo o resto não é complexo: máquinas não precisam ser acolhidas, comer ou dormir; todas aprendem de um mesmo jeito e quando uma máquina aprende, todas aprendem ao mesmo tempo (bastar fazer um download da próxima atualização). Educar máquinas é infinitamente mais barato do que educar humanos. Como regra, portanto, tudo o que puder ser programável, o será.

Seguindo-se a tendência dos últimos cinquenta anos, cada vez mais os homens e as máquinas se aproximam, e as máquinas crescentemente farão mais coisas do que faziam antes.  Pense em como você reagiria se seu médico se recusasse a fazer uma tomografia do seu pulmão por não acreditar em máquinas. Pense, por outro lado, em como você se sentiria se o diagnóstico e o tratamento lhe fossem comunicados pela máquina que fez a tomografia, por um e-mail automático, e não pelo seu médico.

Há três tipos de atividades cuja programação ainda é muito complexa (mesmo por meio de deep learning, a maneira pela qual as máquinas aprendem ao terem acesso a milhões de exemplos de situações análogas): trabalhos manuais, interações humanas e resolução de problemas complexos (isto é, com muitas variáveis interdependentes).

Em relação a elas, os homens ainda terão o papel preponderante na parceria, e as máquinas terão a função de aumentar a qualidade ou eficiência do trabalho humano. É o caso típico do exame de tomografia. É também o caso de tarefas muito baseadas na interação humana, como o relacionamento com clientes ou o trabalho dos professores.

Por isso, é fundamental que a educação humana nos diferencie nesses três tipos de atividades. Infelizmente, isso é o oposto do que fazem as escolas atualmente, cujo sucesso está largamente relacionado com formar alunos como se fossem eles as máquinas, sem perceber que isso não lhes será útil, quando deveriam aprender a interagir com os outros para resolver problemas complexos em parceria com as máquinas.

Sorte das máquinas, porque é justamente na educação humana que encontramos nosso único meio de diferenciação, ou seja, aprendendo a ser mais criativos, imaginativos, sonhadores, inspiradores, generosos e empáticos. Humanos.

Muito se discute sobre como seria um mercado de trabalho em que as máquinas tivessem aprendido a fazer tudo o que fazemos. Trabalharíamos? Para quê? Como seríamos recompensados? Pelas empresas, pelo governo?

São temas para as próximas semanas, mas deixo aqui uma provocação, enquanto você aproveita seus últimos momentos de férias: seus filhos estão sendo formados para ser parceiros das máquinas ou para competir contra elas? Se for para competir, pense bem, porque as máquinas jamais esquecerão os conteúdos que querem que os seus filhos decorem. Nesse caso, talvez esteja na hora de conversar com os educadores sobre como integrar o conteúdo em práticas ativas, ou de mudar de escola.

*Fernando Shayer é cofundador e CEO da Cloe, plataforma de aprendizagem ativa

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Fonte: Epoca

23/01/2022 14:48

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