A agência de saúde local aponta que a conclusão recente parte de uma análise de comportamento dos vacinados no mundo real, com base em dados recentes
Aplicar a terceira dose de vacinas contra a covid-19 pode aumentar de forma significativa a proteção contra a variante Ômicron, especialmente para casos leves. A afirmação é da agência de saúde do Reino Unido (UKSHA), com base em dados do mundo real coletados até o momento a respeito da proteção dos imunizantes contra a mutação. O estudo é um dos primeiros a ser publicado nesse sentido e apresenta uma conclusão preliminar sobre o assunto, ainda a ser confirmada com mais dados daqui pra frente.
"Essas estimativas iniciais devem ser tratadas com cautela, mas indicam que alguns meses após a segunda injeção, há mais risco de contrair a variante Ômicron do que a variante Delta", afirmou a dra. Mary Ramsay, chefe de imunização do UKSHA, apontando que havia a expectativa de que a proteção contra formas graves da doença permanecesse em patamares mais elevados após a aplicação de apenas duas doses.
"Os dados sugerem, agora, que o risco de contrair a nova variante é reduzido significativamente após a terceira dose, por isso recomendo todos a tomarem a dose de reforço, assim que se tornarem elegíveis para isso", afirmou.
A declaração vem após a análise de dados de 581 pessoas contaminadas com a variante Ômicron, que tomaram duas doses de AstraZeneca ou Pfizer. Com base nos dados preliminares, as vacinas forneceram níveis muito mais baixos de proteção contra a nova variante do que fornecem contra a Delta. Porém, ao tomar uma terceira dose da Pfizer, o nível de proteção contra a Ômicron aumentou 70% para quem havia tomado AstraZeneca, e em 75% para quem havia tomado a Pfizer inicialmente.
Além disso, a terceira dose também proporcionou uma proteção de 90% contra a variante Delta, no mesmo estudo, segundo as informações divulgadas até o momento.
Este é apenas o primeiro estudo publicado no Reino Unido para avaliar a relação entre vacinas e variante. Segundo a agência de saúde, dois estudos ainda não foram apresentados publicamente a respeito do tema e podem colaborar, em breve, para entender as perspectivas entre imunizantes e a mutação do coronavírus.
Ainda não é possível avaliar a severidade da nova variante, segundo a agência de saúde local, já que faltam mais dados a respeito das consequências da doença globalmente. Fato é que a variante é mais transmissível, o que ainda preocupa autoridades. Nas taxas de crescimento atuais, a Ômicron seria responsável por mais de 50% de todas as infecções de covid-19 até dezembro, segundo o UKHSA.
"O aumento de casos da variante Omicron juntamente com os novos dados de hoje deve ser um alerta para aqueles que ainda não receberam seu reforço ou, de fato, nenhuma vacina", disse o diretor médico do Serviço de Saúde Nacional, Stephen Powis.
O que se sabe até agora
As primeiras pesquisas para testar o impacto da variante na proteção das vacinas ainda são preliminares, não foram revisadas por outros cientistas e coletaram poucos dados.
Estudos anteriores ao divulgado pelo Reino Unido foram realizados em laboratório: cientistas analisam a interação entre amostras de sangue de vacinados (com anticorpos) e a nova variante. As primeiras conclusões são de que há queda na capacidade da vacina de produzir anticorpos que neutralizam a Ômicron - o que os cientistas já esperavam.
Segundo uma pesquisa realizada na África do Sul com 12 pessoas, houve declínio de 41 vezes nos níveis de anticorpos neutralizantes contra a nova variante em vacinados com a Pfizer. O estudo, do Instituto de Pesquisa em Saúde de Durban, também apontou que a proteção parece ser maior entre os que já tinham se infectado antes de tomar a vacina. Para Alex Sigal, virologista que conduziu o estudo, os dados trazem boas notícias apesar de ser preocupante a queda de anticorpos. Ele temia que as vacinas pudessem não fornecer proteção contra a variante. Havia o risco de que a Ômicron tivesse encontrado uma nova "porta" para entrar nas células - o que tornaria os anticorpos de vacinas inúteis.
Outra pesquisa preliminar, do Instituto Karolinska, na Suécia, e da Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, mostrou que a redução na capacidade de neutralização dos anticorpos é variável. Em algumas amostras, quase não houve diminuição e, em outras, houve queda de 25 vezes em relação ao "vírus original". "A neutralização não é completamente perdida, o que é positivo", afirmou Ben Murrell, do Karolinska, nas redes sociais.
Essa queda em anticorpos neutralizantes era esperada pelos cientistas - justamente por causa do número de mutações da Ômicron - e deve ocorrer com outras marcas de vacinas. Mas as últimas pesquisas não significam que as vacinas são ineficazes contra a Ômicron. Especialistas ponderam que os anticorpos analisados até agora em laboratórios não são a única barreira. As vacinas também induzem outros tipos de resposta imune, como as células T, que matam células infectadas e são importantes para evitar que uma pessoa infectada adoeça.
"A Ômicron escapa mais do que as outras (variantes). Mas, provavelmente, ainda vamos ter proteção em termos de hospitalização, de doença sintomática", diz Cristina Bonorino, imunologista e membro dos comitês científico e clínico da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI). A expectativa é de que a vacinação evite a forma grave da covid-19, mesmo com a Ômicron. Cientistas, no entanto, só poderão confirmar isso com mais análises no mundo real.
(com Estadão Conteúdo)