Samy Chaar, economista-chefe do Lombard Odier, diz à EXAME Invest que há investimentos interessantes no país apesar do cenário negativo para ações
Diante das condições macroeconômicas adversas esperadas para o ano que vem, o banco suíço Lombard Odier avalia que o momento não é favorável para investir em ações de empresas brasileiras. Em entrevista exclusiva à EXAME Invest, Samy Chaar, economista-chefe de um dos mais tradicionais bancos europeus, especializado em gestão de patrimônio, disse que o Brasil deve ser o único entre os principais países do mundo a enfrentar a estagflação em 2022: é o nome que descreve o quadro de baixo ou nenhum crescimento acompanhado de elevados níveis de inflação.
Mas isso não significa excluir o Brasil do portfólio. O economista diz enxergar boas oportunidades no mercado local de títulos de crédito privado, que têm se tornado mais rentáveis com os sucessivos aumentos da taxa de juros.
"É o jeito mais seguro de ter acesso a companhias latinas e brasileiras do que a parte mais arriscada e volátil do mercado de ações. Não temos grande exposição, mas temos alguma nesse tipo de ativo, que, a nosso ver, é mais seguro e tem retornos esperados relativamente interessantes."
O Lombard Odier é um dos bancos suíços mais longevos, com fundação em 1796. Atua voltado para gestão de patrimônio -- wealth e asset management --, com cerca de 380 bilhões de dólares administrados no mundo.
Para Chaar, as taxas de juros brasileiras devem apresentar um diferencial ainda maior em 2022, para quando projeta uma Selic de 11,5% ao ano, enquanto o Banco Central Europeu (BCE) e o Federal Reserve (Fed) mantêm inalteradas suas respectivas taxas de juros. Apesar do aperto monetário em países emergentes, segundo ele, as condições internacionais devem continuar contribuindo para o ciclo econômico global, que ainda vê em estágio de "maturação".
"Acho que deveríamos continuar dando o benefício da dúvida para o ciclo econômico. Ainda é muito cedo para ficar defensivo. As companhias estão gerando lucros cada vez maiores. Pensando em ciclo, gostamos de estar exposto à Europa e a títulos de crédito privado de alto rendimento", disse.
Confira a entrevista com Samy Chaar, economista-chefe do banco suíço Lombard Odier.
Em que estágio a economia global se encontra? A recuperação econômica deve se estender para os próximos anos?
Não esperamos o fim do ciclo, uma forte desaceleração econômica ou uma recessão. O ciclo ainda está maturando. A economia deve crescer levemente abaixo dos patamares de 2021, mas ainda se manter em níveis decentes em relação ao pré-pandemia. Até mesmo a China deve se manter relativamente forte. Os fundamentos continuam positivos, com empresas apresentando lucros e o mercado de trabalho melhorando.
A inflação deve se manter alta, mas abaixo da deste ano. Hoje, todas as pressões inflacionárias estão ocorrendo ao mesmo tempo, com problemas na cadeia de suprimentos, estímulos econômicos e reaberturas. Isso deve diminuir, embora os efeitos sobre salários e aluguéis devam se manter no próximo ano, especialmente nos Estados Unidos.
As condições monetárias devem continuar favoráveis ao crescimento?
Acho que a política monetária deve se manter expansionista por mais algum tempo. Os bancos centrais vão normalizar suas políticas de forma relativamente gradual. Apesar do tapering, não vejo o Fed e o BCE subindo juros em 2022.
Parte dessa inflação global tem vindo de altos preços de energia. Como a Lombard Odier vê esses preços no ano que vem?
As commodities estão em patamares realmente altos, mas no longo prazo os preços ficam baixos. Agora vemos o carvão chinês, o gás europeu e até o petróleo se desvalorizando. Essa inflação de energia é algo normal, já que a recuperação tem sido muito forte. Também é uma questão de estoque. As companhias não sabiam que tipo de recuperação teriam e todos venderam estoques. Mas podemos produzir energia suficiente para o mundo crescer. Olhe para a OPEP+ [Organização dos Países Exportadores de Petróleo, mais grandes produtores como a Rússia].
Antes do choque da covid, a OPEP+ produzia 35 milhões de barris por dia, e hoje estão produzindo 30 milhões. Se quiserem produzir 5 milhões de barris a mais e manter os preços baixos, eles podem. Os preços do petróleo devem girar em torno de 65 e 70 dólares no ano que vem.
Essa cooperação entre países, com EUA e China, para vender reservas de petróleo deve contribuir para a queda de preços?
É uma estratégia válida. Mas a questão hoje é quanto crédito nós damos à OPEP+. Se eles quiserem manter o preço sob controle, eles conseguem. Eles têm 5 milhões de barris para produzir a mais. Acho que a OPEP+ quer recuperar o que foi perdido quando os preços estavam extremamente baixos, mas não querem matar a recuperação econômica. Não vejo os preços se sustentarem em níveis muito mais altos.
Os Estados Unidos e a China podem vender suas reservas, mas mais importante é garantir que a OPEP aumente sua produção, e não há razão para não fazerem.
A China vem apresentando, já há alguns meses, números mais fracos de atividade econômica. Ela está mais próxima do fim do ciclo de crescimento?
Eu vejo a China em estágio mais avançado [de desaceleração], mas não acho que seja o fim de um ciclo. Eles se recuperaram totalmente da pandemia, então não podemos dizer que estão no início do ciclo. Mas o ponto mais importante da China é que 2022 é ano eleitoral. Eles terão seu 20º Congresso [Nacional do Partido Comunista] em novembro e esse é um grande evento para o presidente Xi Jinping, em que ele terá que fortalecer sua base política. Portanto não vejo um grande ajuste econômico na China em um ano político tão relevante.
Vimos neste ano tentativas de controlar o crédito, o setor privado, as regulações. Mas acho que em 2022 veremos mais iniciativas para estabilizar o crescimento e evitar erros. Talvez o cenário chinês seja mais desafiador em 2023 e 2024, mas para 2022 estou convencido de que não farão grandes ajustes. Considerando esse evento político, farão o que for preciso para terem um ambiente social e econômico favorável no fim do ano que vem.
Como a Lombard Odier enxerga a economia brasileira no próximo ano? A possibilidade de estagflação é real?
É uma grande infelicidade, mas o Brasil é o único país para o qual projetamos níveis tão baixos de atividade econômica. Esperamos um PIB de 0,8%, que é bem baixo em termos de crescimento. E, nesse contexto, há um alto nível de inflação.
Já tivemos conversas sobre a estagflação americana, mas certamente não é o caso. Os Estados Unidos têm inflação alta, mas forte crescimento. O Brasil é mesmo o único país que realmente se encontra nas definições de estagflação.
O Brasil precisa fazer duas coisas: conter a inflação e ser mais restritivo em seu Orçamento. Portanto, vemos o BC elevar as taxas de juros de forma extremamente substancial. Isso tudo tem um grande efeito sobre a atividade econômica, por isso vemos baixo crescimento e inflação alta no início do próximo ano. Em algum momento do ano que vem, no entanto, o ambiente deve melhorar, já que as altas de juros devem servir para controlar a inflação. Talvez na segunda metade de 2022 o BC poderá reverter a política monetária.
No momento, é melhor ficar de fora das ações brasileiras?
Você está certo. No momento, estamos relativamente cautelosos. Mas uma coisa que temos procurado são créditos corporativos da América Latina. Provavelmente, esse seja o melhor setor do mercado financeiro [da região]. É mais seguro, tem companhias que conhecemos, com balanços robustos e créditos corporativos em dólares ou euros. É o jeito mais seguro de ter acesso a companhias latinas e brasileiras do que a parte mais arriscada e volátil do mercado de ações.
Não temos grande exposição, mas temos posição nesse tipo de ativo, que, a nosso ver, é mais seguro e tem retornos esperados relativamente interessantes.
Olhando para o cenário global, o momento ainda é positivo para investir em ações?
Acho que deveríamos continuar dando o benefício da dúvida para o ciclo econômico. Ainda é muito cedo para ficar defensivo. As companhias estão gerando lucros cada vez maiores. Pensando em ciclo, gostamos de estar expostos à Europa e a títulos de crédito privado de alto rendimento (high yield).
Por que a preferência pela Europa?
Estamos no meio do ciclo na maioria das economias e, obviamente, a europeia está mais atrasada que a americana nessa recuperação. A grosso modo, o mercado americano é orientado pelas empresas de tecnologia, que são caras. Claro que gostamos da tecnologia americana, esse é o futuro, mas hoje, pensando no ciclo, vemos maior potencial nos setores de energia, materiais básicos, financeiro, saúde e small caps da Europa.
Não é que não gostamos do mercado americano. Mas esse mercado é muito pró-crescimento, de tecnologia e altamente valorizado. O ciclo [econômico] está seguindo, tudo que for de setor cíclico e de valor deve reagir relativamente bem e queremos fazer parte disso.
Até que ponto a maior resistência à vacina na Europa afeta a expectativa de crescimento para o próximo ano?
A verdade é que temos as ferramentas para conter a pandemia. Não para fazê-la desaparecer, mas para contê-la. Haverá novas ondas [de coronavírus]. A questão é se essas ondas irão gerar uma disrupção do setor de saúde e da economia. Neste verão [europeu, de julho a setembro], tivemos a onda da variante Delta, que foi bem forte na Europa. Mas os hospitais conseguiram suportar a onda e houve poucas restrições na economia.
Basicamente, o terceiro trimestre não foi tão bom quanto o segundo e o primeiro, mas eu diria que os Estados Unidos e a Europa navegaram pela onda Delta relativamente bem.
Há maior nível de vacinação e tratamentos por vir. Não digo tratamentos hospitalares, que são caros, mas domésticos, que são bem mais baratos. Isso não vai fazer a covid desaparecer, mas será uma ferramenta para evitar uma sobrecarga sobre o sistema hospitalar. Se o sistema hospitalar não estiver sobrecarregado, não precisa fechar a economia. Seria uma surpresa, nesse contexto, se perdemos totalmente o controle da pandemia.