A Reforma Política trazia duas curiosidades: o retorno do fim das coligações e uma nova fórmula de distribuição dos recursos do fundo eleitoral
Por Mario Lewandowski
Nesta quarta-feira (22/09) o Senado votou a PEC 28/2021. Como reza a tramitação no Congresso Nacional, quando esta Proposta de Emenda Constitucional saiu da Câmara dos Deputados, no dia 18 de agosto, tinha outro número. Por lá era a PEC 125/2011. Seu tema é Reforma Política e ela trazia, entre seus artigos, duas curiosidades: o retorno do fim das coligações proporcionais e uma nova fórmula de distribuição dos recursos do Fundo Especial para Financiamento de Campanhas (FEFC), vulgo Fundão Eleitoral.
Primeiro, o fim das coligações que quase volta antes mesmo de deixar de existir. Em 2017, a Emenda Constitucional 97 removeu a possibilidade dos partidos se coligarem nas eleições proporcionais. Em resumo, partidos não poderiam se lançar em coligações (grupos de partidos) para as eleições proporcionais. Isso evitaria, como evitou em 2020, que um voto em um candidato pudesse ser contabilizado em uma coligação com diversos partidos e acabasse elegendo outro candidato de outro partido da coligação. Nas complicadas negociações eleitorais do sistema proporcional brasileiro, esse mecanismo muitas vezes fazia com que o voto em um candidato de esquerda viesse a eleger um candidato de esquerda, ou vice-versa.
Em um momento de lucidez em 2017, o Congresso proibiu as coligações, mas só a partir de 2020. Nas eleições municipais do ano passado, a mudança entrou em vigor e vimos na prática o que os seus defensores alegavam: redução no número de partidos eleitos. Conforme dados do TSE, aumentaram de 50% em 2016 para 82% em 2020 o número de municípios com até 6 partidos. Os municípios com até 3 partidos subiram de 262 em 2016 para 1.565. Essa redução, em tese, traz maior facilidade de se negociar legislação, aumentando a governabilidade.
Mais do autor ?Reforma Política é a mãe de todas as reformas?, afirma especialista O que está sendo proposto no novo Código Eleitoral?
Os deputados federais que aprovaram a PEC 125/2011 traziam de volta este mecanismo antes dele entrar em vigor em uma eleição de deputados, desfazendo o que ainda nem havia sido testado a nível nacional. Os senadores, que não são impactados pela medida (pois no sistema brasileiro os votos para o Senado não são proporcionais), trouxeram de volta o fim das coligações aprovado em 2017 ao votarem a PEC 28/2021, nesta quarta-feira.
O segundo ponto é curioso mais pelos seus efeitos do que pelo seu histórico. Trata-se da distribuição do Fundo Especial para Financiamento de Campanhas (FEFC), o Fundão Eleitoral. A proposta, que foi mantida no Senado, prevê peso dobrado para os votos em candidatos negros e candidatas mulheres na conta para divisão do FEFC.
É importante ressaltar que a discussão não diz respeito ao aumento do valor do Fundo Eleitoral, que gerou ampla reação negativa da sociedade. Independente do montante que será aprovado no orçamento de 2022, a forma como este valor é distribuído mudará. Hoje, 2% dos recursos são distribuídos igualmente aos partidos, 28% dos recursos são divididos na proporção dos deputados eleitos por partido, 15% são divididos na proporção dos senadores eleitos por partidos e 35% dos recursos são divididos na proporção dos votos recebidos pelos deputados dos partidos que tenham conquistado ao menos uma cadeira no Congresso.
A mudança ocorre nestes 35% finais. O peso dos votos para mulheres e candidatos negros serão contados em dobro. De acordo com um estudo feito pelo Instituto Millenium com a consultoria NeoCortex Data Experts, isso iria mudar substancialmente os valores recebidos por alguns partidos. Os partidos que têm mais a ganhar são os partidos que tiveram o maior número de votos em mulheres e negros, notadamente PSOL, PCdoB, Avante, PT e PSL. O PSL destoa da lista, mas tem o aumento na sua fatia do fundo graças a quantidade expressiva de votos da deputada Joice Hasselmann.
Curiosamente, o partido do Presidente da Câmara (Progressistas, ex-PP) e do Presidente do Senado (DEM) estão entre os partidos que mais perdem recursos com esta mudança em 2021. A conta foi feita com base no orçamento de 2020 e os votos recebidos pelos deputados em 2018 e ambos os partidos perderão cerca de R$ 2,7 milhões de reais com a alteração.
Resta ver se o aumento dos recursos para partidos que recebem mais votos em negros e mulheres irá fomentar a candidatura de mais negros e mulheres nas próximas eleições, ou simplesmente aumentar o número de ?puxadores de votos? negros e mulheres. De qualquer forma, a discussão traz consigo um inegável incentivo aos partidos lançarem candidatas e candidatos negros viáveis, com o intuito de aumentar a sua fatia do Fundão Eleitoral.
Mas tendo em vista que este ponto foi dos aprovados tanto na Câmara dos Deputados, em agosto, quanto no Senado Federal, em setembro, fica a dúvida se este é um caso de convicção dos parlamentares em superar o claro benefício que será dado aos partidos que nesta legislatura tiveram os maiores números de votos em negros e mulheres, ou se, simplesmente, ninguém fez a conta de quem ia perder recurso com a medida...
Mario R. A. Lewandowski é empresário e Presidente do Movimento pelo Voto Distrital