Com adesão em massa do trabalho fora dos escritórios, empresas devem ou não arcar com os equipamentos para funcionários? E quais cuidados precisam ser tomados no processo? O advogado Wallace Silva explica
Por Wallace Antonio Dias Silva, sócio do escritório Romar, Massoni & Lobo Advogados
O teletrabalho e o home office são formas de prestação de trabalho que existem desde a década de 70 e permanecem, por diversos motivos, em constante crescimento. Da década de 90 até o momento, no contexto da cibernética e do nascimento das tecnologias da informação, passaram a ser promovidos pela externalização das empresas e redução de custos.
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São ainda mais utilizados em razão da covid-19 e dos protocolos de segurança, que estimulam a população a ficar em casa, incluindo o trabalhador, por incentivo do empregador.
De acordo com um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado em julho de 2021, 11% dos trabalhadores ativos no Brasil exercem suas atividades profissionais de forma remota, o que representa cerca de 8,2 milhões de pessoas. Realidade laboral que traz diversas dúvidas para as empresas, em especial acerca do fornecimento de equipamentos para viabilizar o trabalho em home office e cuidados para tanto.
Diferença entre teletrabalho, home office e trabalhador externo
Antes de tudo, deve-se diferenciar o teletrabalho do home office e do trabalhador externo, que são institutos jurídicos distintos e possuem reflexos diferentes para o empregador.
No Brasil, a primeira regulamentação sobre o tema surgiu com a Lei 12.551/2011 que alterou o artigo 6º da CLT, para considerar que o local de prestação de serviço não qualifica o trabalho, mas a forma na qual ele é realizado, independente se dentro ou fora da empresa. Sua principal inovação foi de equiparar os meios telemáticos e informatizados (celular, notebook, etc) aos meios pessoais e diretos de subordinação (ordens no local de trabalho).
Já a Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) inovou no ordenamento jurídico brasileiro ao descrever, no artigo 75-B da CLT, a expressão ?teletrabalho? e ao conceituá-lo como o trabalho realizado preponderantemente fora das dependências do empregador e com a utilização de meios virtuais de contato.
A mesma Lei 13.467/2017 também incluiu o inciso III ao artigo 62 da CLT, diferenciando o teletrabalhador do externo, no sentido de, apesar de ambos poderem utilizar de meios telemáticos de comunicação, o meio de produção de cada um é distinto, preponderando a virtualização da relação na primeira hipótese e a externalidade na segunda.
Desse regramento surge a diferença entre o teletrabalho, home office e trabalhador externo.
Especificamente acerca do home office, embora exista o trabalho na residência do empregado, trata-se de situação na qual é possível a adoção de sistema de fiscalização da jornada do empregado, pelo qual não há como enquadrá-lo na condição de trabalhador externo.
Quanto à diferenciação em relação ao teletrabalho, este último submete-se, dentre outras, a regras como: previsão expressa no contrato de trabalho; especificação das atividades realizadas pelo empregado; assinatura de termo de mutuo acordo entre as partes; registro de aditivo contratual; termo de responsabilidade de fornecimento de equipamentos tecnológicos e infraestrutura necessárias (TICs); termo de responsabilidade de instruções do empregador.
Nota-se que home office consiste em mera ausência física do trabalhador no estabelecimento da empresa, sujeito a todos os direitos e deveres previstos no contrato de trabalho. Seu fundamento é o artigo 6º da CLT, segundo o qual ?não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego?.
Logo, todas as regras trabalhistas que são aplicáveis aos empregados que trabalham presencialmente na empresa, permanecem aplicáveis aos trabalhadores em home office.
Que equipamentos precisam ser oferecidos pelas empresas?
Justamente porque as regras aplicáveis aos trabalhadores locais são as mesmas daqueles em home office, conforme o artigo 2º da CLT, é responsabilidade do empregador arcar com todos os custos de sua atividade econômica, abrangidos todos os custos com o trabalho e para a prestação de serviços em home office.
Em geral, as empresas fornecem equipamentos como notebooks, celular corporativo, cadeira, mesa de trabalho e, eventualmente, ajuda de custos com os gastos de eletricidade, planos de celular ou internet.
O entendimento que prevalece atualmente nos Tribunais e entre os estudiosos do assunto é que os gastos extraordinários do trabalhador devem ser suportados pelo empregador.
Não cabe ao empresário a obrigação de arcar com as despesas do cotidiano de um trabalhador comum, como a utilização e manutenção do computador próprio, cadeira e mesa de trabalho ou de internet previamente adquiridos antes de sua contratação ou início do home office. Considera-se que são despesas ordinárias do empregado, não fazendo sentido o reembolso ou fornecimento de equipamentos nesses casos.
De outro lado, trata-se de situações diferenciadas, nas hipóteses em que:
- os equipamentos que o trabalhador possuir não atenderem ao mínimo exigido para o desempenho de sua função ou às condições de segurança e saúde no trabalho (ergonomia);
- necessitar de uma conexão de internet que seja disponibilizada apenas para empresas com níveis altíssimos de download e upload;
- necessitar de linha telefônica diferenciada da comum ou com gastos maiores do que os normais para contato com parceiros/fornecedores;
- haver a necessidade de computador mais potente para o uso de maquinário específico ou softwares especializados.
Nestes casos, entende-se que o trabalhador possui uma despesa extraordinária, a qual deve ser suportada pelo empregador, seja através do fornecimento dos equipamentos, seja através de ajuda de custo.
Cuidados no fornecimento dos equipamentos ou na ajuda de custo
Para regularização do fornecimento dos equipamentos ou da ajuda de custo é recomendável às empresas que formalizem um acordo ou um aditivo contratual com a aceitação do trabalhador para a modalidade home office.
Neste mesmo documento podem ser descritos quais são os equipamentos e instrumentos de trabalho que a empresa já fornecia (como notebook e celular corporativo), equipamentos e gastos ordinários já existentes e os extraordinários necessários para a prestação de serviços e que justificam o fornecimento ou pagamento de ajuda de custo pela empresa.
Havendo a concordância expressa do trabalhador com o trabalho em home office e, com a descrição de quais são os equipamentos e gastos ordinários e extraordinários para a prestação de serviços, pode-se entender que eventual requerimento posterior de indenização material pelo uso de recursos próprios significa afronta ao princípio da boa-fé objetiva (artigo 422 do Código Civil), à vedação do enriquecimento ilícito (artigo 884 do Código Civil) e, por último, ao próprio princípio da primazia da realidade (artigo 9º da CLT).
Com a existência de mútuo acordo, tratando-se de uma situação razoável e proporcional, o fornecimento de equipamentos e ajuda de custo pelo empregador se aperfeiçoa e fica regularizado, de modo que, para fazer jus a eventuais indenizações perante à Justiça do Trabalho, cabe, ao empregado, a produção de provas que adquiriu equipamentos exclusivamente para a execução de suas atividades para a empresa ou que os equipamentos que possuía antes do trabalho em home office eram insuficientes.
Acerca da ajuda de custo, nada impede o fornecimento de uma quantia que englobe todas as despesas que o empregado tenha com a prestação dos serviços em home office. No entanto, para evitar que essa ajuda de custo posteriormente se caracterize como ?salário?, a mesma deve ser paga em valor correspondente aos efetivos gastos do empregado. Não convém conceder um valor fixo superior aos gastos do empregado ou sem lastro real.
Além disso, a ajuda de custo deve perdurar somente enquanto for realizado o trabalho em home office, de modo que em momentos de interrupção ou suspensão do contrato de trabalho, tais como afastamento pelo INSS, férias etc., a ajuda de custo não deve ser paga.
Por fim, vale destacar que, sob pena de tratamento diferenciado entre empregados ou áreas da empresa, o empregador deve adotar uma política uniforme para todos os empregados que estejam no regime de home office e que possuam as mesmas condições de trabalho. A empresa não pode fornecer equipamentos e infraestrutura ou pagar ajuda de custo para alguns trabalhadores em home office e não pagar para outros nas mesmas condições.
O home office é uma modalidade de prestação de serviços que pode ser muito bem utilizada, beneficiando tanto as empresas quanto os trabalhadores.
Após o início de sua regulamentação pela Lei 13.467/2017 e novos entendimentos jurisprudenciais e estudos sobre o tema, as empresas que devidamente regularizam o home office, em comum acordo com o empregado, adotam políticas claras, razoáveis, proporcionais e não discriminatórias, têm, cada vez mais, obtido segurança jurídica no estabelecimento deste e obtido níveis atraentes de satisfação dos trabalhadores, refletindo, inclusive, em maiores índices de produtividade.