O problema de sermos constantemente estimulados é de nunca pararmos para refletir; precisamos empinar pipas mais vezes
Rodrigo Pinotti*
Pense na última vez em que você viajou de férias: há uma boa chance de que você tenha voltado para casa cansado. Seja lá para onde você tenha ido, provavelmente precisou planejar o transporte, a bagagem, a estadia. A execução deve ter dado algum trabalho também, assim como os imprevistos que certamente surgiram e os passeios de última hora que você resolveu fazer. Em meio a tudo isso, seu celular também não deve ter dado muita trégua ? ou você não deu trégua a ele, publicando tudo nas mídias sociais.
Multiplique isso por três se você viajou com crianças. Multiplique por oito se foi uma daquelas excursões coletivas com programação fixa e quarenta pessoas dentro de um ônibus.
Blaise Pascal, gênio do século 17, disse que toda a infelicidade humana vem do fato de sermos incapazes de ficarmos sentados quietos dentro de um quarto. Pascal não tinha TV, celulares e notificações que o avisavam de novos tweets ou mensagens no WhatsApp. Hoje em dia algumas pessoas até compram smartwatches para serem incomodadas de forma mais eficiente, sem precisar tirar o telefone do bolso.
Mesmo em um feriado nacional como hoje, quando em tese poderíamos dispor de alguns momentos de calmaria, não conseguimos ficar quietos. Alguns vão à manifestações políticas, contra ou a favor. Outros quebram a cabeça para escrever artigos como este. Vemos cada vez menos gente empinando pipa, talvez a mais contemplativa das atividades lúdicas, e cada vez mais pessoas à procura de algo com o que ocupar a cabeça.
Isso já é algo que vivemos no trabalho há tempos. Um estudo mostrou que profissionais de tecnologia são interrompidos em média a cada três minutos ao longo do dia. Já enfermeiros sofrem uma interrupção a cada nove minutos em um plantão médio de 12 horas, gastando um total de 11% do seu tempo de trabalho com elas ? o que talvez seja mais preocupante, dado que essa será a pessoa que vai preparar algo que será injetado dentro de você e que, claro, você espera que esteja sempre com a máxima atenção possível.
Nem todas as interrupções são ruins ou desnecessárias, obviamente. Algumas são mais importantes do que aquilo que você estava fazendo inicialmente. Todas elas, porém, trazem um custo mental. O único lugar onde possivelmente alguém com uma rotina corporativa poderia realmente praticar a quietude era de um avião, se você desse sorte de pegar um voo vazio. Hoje, com wi-fi a bordo, nem isso.
A Ciência da Interrupção é relativamente nova, tendo sido iniciada na década de 1920, e não encontrei nenhuma pesquisa que trate de nossas vidas pessoais. Mas Pascal viveu há quatrocentos anos, então é possível dizer que a necessidade de estarmos constantemente estimulados com algo faz parte de nossa natureza.
O problema é que, estando constantemente estimulados, nunca paramos para refletir. No mínimo, paramos muito pouco. A vida vira reação, ao invés de ação. Parar para pensar é essencial para entendermos quem somos e o que realmente queremos.
O jornalista, ensaísta e escritor britânico Pico Iyer trabalhou durante anos como repórter de viagens e, depois de passar a vida conhecendo cada canto do planeta, percebeu que a verdadeira realização (ao menos para ele) estava na calmaria. Sua experiência virou uma palestra TED e, posteriormente, um livro, The Art of Stillness, que foi de onde eu roubei onde eu me inspirei para o tema deste texto. Para Iyer, a viagem ideal é ir a lugar nenhum: uma viagem de observação, com poucos ou nenhum estímulo. Segundo ele, isso ?não é dar as costas ao mundo. É se afastar de vez em quando de forma que você possa ver o mundo de forma mais clara e amá-lo mais profundamente.?
Duvido muito que Iyer tenha um smartwatch.
*Rodrigo Pinotti é sócio-diretor da FSB Comunicação
Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.
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