Nenhum dos direitos conquistados são efetivamente direitos previstos em lei, o que torna frágil a aplicabilidade efetiva no mundo real
Por Fayda Belo*
As pessoas LGBTQIA+ desde muito tempo têm que conviver com a discriminação, o desprezo e a repulsa da preconceituosa maioria da sociedade brasileira.
O mito da família tradicional, dos cidadãos de bem, da religiosidade, vem impedindo, mesmo após a promulgação da Constituição Federal em 1988, que essas pessoas sejam reconhecidas efetivamente como sujeitos de direitos.
Quando passeamos pela Lei Suprema do país, qual seja nossa Constituição de 88, notamos que entre seus princípios basilares está a dignidade da pessoa humana, a ausência de discriminação, bem como a igualdade de direitos a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país, contudo essa igualdade de direitos não se materializa no mundo real quando se trata da comunidade LGBTQIA+, já que a quem cabe legislar se recusa a fazê-lo quando esse direito se refere a esse grupo.
A afirmação acima trazida reside no fato de que todos os direitos conquistados pela comunidade LGBTQIA+ no Brasil foram concedidos pelo judiciário, que tem laborado no papel de legislador, pois este se recusa a materializar o direito fundamental à igualdade, previsto na Constituição, quando se trata da comunidade LGBTQIA+.
Tão verdade é que direitos como a proteção da lei Maria da Penha às mulheres trans foi fruto de um enunciado (46) do Fórum Nacional dos Juízes de Violência Doméstica (Fonavid), o direito ao casamento civil entre pessoas do mesmo sexo foi concedido pelo Conselho Nacional de Justiça (175-CNJ), a criminalização da homofobia e a declaração da inconstitucionalidade da restrição imposta pelo Ministério da Saúde e Anvisa de doação de sangue por pessoas LGBTQIA+ foram concedidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Note que nenhum dos direitos conquistados são efetivamente direitos previstos em lei, mas enunciados e provimentos judiciais, o que torna frágil a aplicabilidade efetiva no mundo real, bem como fragiliza a convicção de que tais direitos não serão removidos, já que é perigoso demais assegurar direitos apenas com base em provimentos e entendimentos jurisprudenciais que mudam a todo momento no mundo jurídico brasileiro.
Não é por acaso que o Brasil é o país que mais mata pessoas LGBTQIA+ no mundo.
A ausência de leis que amparem a comunidade LGBTQIA+ gera em grande parte da população a sensação de que se não está na lei, não é preciso obedecer. O resultado que assistimos é a grande massa diária de crimes de ódio e preconceito contra essas pessoas.
O descaso legislativo quanto a criação de leis que assegurem não apenas direitos mínimos, mas coloquem também a salvo a própria vida dessas pessoas, é absurdamente desumano, uma vez que podemos até ser diferentes em nossos voos, porém somos iguais no direito de voar.
Não importa se o brasileiro é heterossexual ou homossexual. Se é cis ou trans. Todos são brasileiros. Se o dever de cumprir as leis é igual para todos, o direito ao amparo dela deve ser também.
Enquanto a igualdade de direitos for apenas uma letra morta dentro do corpo da Constituição, enquanto se recusarem a criar leis que ampare e agasalhe a comunidade LGBTQIA+, continuaremos vendo mulheres trans como Roberta de Recife sendo queimadas vivas, jovens gays sofrendo tortura e estupro coletivo, como o que ocorreu em Florianópolis, e homens trans como Eduardo sendo recusado em empresas sob a alegação de serem ?diferentes?.
Orientação sexual e identidade de gênero não podem servir de régua para escolher quem a lei brasileira vai proteger ou não.
Afinal, somos ou não somos todos iguais?
*Fayda Belo é advogada criminalista, especialista em crimes de gênero, direito antidiscriminatório e feminicídios e pós-graduada em Penal e Processo Penal. Em
Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.
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