Casa britânica, dedicada ao longo prazo, fez cheque de aproximadamente US$ 150 milhões para estreia da companhia na bolsa
Apesar das tensões e temores recentes do mercado, nem tudo são raios e trovões. Há quem veja um horizonte interessante para o Brasil. Ainda que em oportunidades pontuais. A abertura de capital da Raízen, a companhia de etanol e distribuição de combustíveis que une Cosan e Shell no controle, trouxe de volta ao país um investidor que há muito não se via nas ofertas inicias (IPOs) por aqui: a casa britânica Baillie Gifford.
Fundamentalista, de longo prazo e ativista, a gestora de recursos é a segunda maior acionista individual do Mercado Livre, avaliado em mais de US$ 88 bilhões, com cerca de 9,5% do capital ? atrás apenas da Capital.
E para quem pensa que a participação na operação foi ilustrativa, um detalhe: comprou mais de 10% da oferta pública inteira, que somou R$ 6,9 bilhões. O cheque assinado foi o maior por um investidor único, da ordem de US$ 150 milhões, ou mais de R$ 750 milhões. A lista de ilustres ainda contou com a gestora holandesa Robeco e as americanas Wellington e BlackRock.
A Raízen, que possui receita anual da ordem de R$ 115 bilhões (estreou na B3 avaliada em aproximadamente R$ 70 bilhões, com a ação adquirida no piso da faixa de preços sugerido, ou seja, em R$ 7,40. Nesta sexta-feira, dia 20, o papel completou pouco mais de duas semanas de listagem e acumula queda ? pudera, com esse atual mercado! ? de 6,5% em relação ao valor de lançamento, cotada em R$ 6,90.
A companhia chegou a almejar uma avaliação de R$ 100 bilhões, atenta aos múltiplos da finlandesa Neste, com quem se comparou na apresentação aos investidores internacionais. Listada na bolsa de Helsinque, a companhia é avaliada em 42 bilhões de euros e é uma das queridinhas do mundo ?carbon free?. Com receita líquida de quase 12 bilhões de euros no ano passado e Ebitda, de 1,5 bilhão de euros, produz 3 bilhões de litros de diesel verde. É negociada, portanto, a bem mais do que 20 vezes Ebitda.
A Raízen tem reforçado ter condições, sem a necessidade de nenhum hectare adicional, de ampliar a produção em mais de 3 bilhões de litros (2 bilhões em etanol de segunda geração e mais o equivalente a 1 bilhão de litros em biogás), ou uma Neste inteira. Foi à B3, portanto, buscar capital e sua independência financeira dos controladores, Cosan e Shell. Não que falte recursos com esses sócios ? aliás, a Shell sequer queria dividir o ativo, tanto que exigiu a listagem no Nível 2 e não aceitou Novo Mercado. Mas, a partir de agora, a liberdade da empresa para seus projetos é, inegavelmente, muito maior.
Esse adicional na produção soma-se à atual capacidade, que foi de 2,5 bilhões de litros na safra passada. Sem esses extras, no ano-safra terminado em março, o Ebitda da companhia foi de R$ 6,6 bilhões. Um múltiplo de 20 vezes aqui aplicado levaria o negócio a mais de R$ 115 bilhões ? sem aumento de produtividade e sem Biosev, apenas sobre 2021.
O que a Raízen evita por ano em emissão de carbono ? 5,2 milhões de toneladas ? é mais do que as 3,7 milhões de toneladas que a Tesla já evitou em 11 anos. Além disso, equivale a 2,5 milhões de carros a menos em circulação. E por falar em carro elétrico, Bosch, Volkswagen e Nissan estão apostando alto que os carros elétricos serão movidos por célula-combustível, a partir do etanol. E as pesquisas são, é claro, no Brasil. Não por acaso que a commodity de referência para esse IPO não foi o etanol, mas sim o carbono.
Ter um sócio do porte e perfil da Baillie Gifford casa perfeitamente com os desafios da Raízen. ?Nosso processo de investimento é baseado na propriedade de longo prazo e de apoio a empresas em crescimento. Queremos ajudar as companhias ampliar seu potencial, incentivando-as a investir em oportunidades de expansão e a ignorar as pressões de curto prazo?, diz a casa em um dos documentos que descreve sua missão.
"A gestão ativa de investimentos bem-sucedida não é fácil: requer dedicação, pensamento independente e uma perspectiva de longo prazo", completa a gestora. Quem conhece bem a Raízen comenta que a beleza da empresa é, ao mesmo tempo, seu maior desafio. Trata-se um ativo sem igual no mundo. Mesmo parte de dois conglomerados de capital aberto ? Cosan e Shell ? seu potencial era ainda desconhecido até o IPO. E não havia sido publicamente explorado antes.
Para completar, o plano de maior valor, a exploração do etanol de segunda geração, está praticamente todo no futuro. Assim, da mesma forma que essa prosperidade é adicional, é também um risco de execução. E, especialmente aqui no Brasil, sofreu questionamento dos investidores para o prêmio de avaliação pretendido.
Agora, o futuro dirá. O que a Baillie Gifford está fazendo, certamente, não é apostar nele. É investir.
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