Risco político voltou a aumentar com as investigações da CPI da Covid, a aliança do governo com o centrão e o aceno à eleição de 2022
O real segue com desvalorização da ordem de 19% em relação aos fundamentos e pode seguir com amplo desvio negativo até o fim do ano, conforme ressurgem temores fiscais, disse Emerson Marçal, coordenador do Centro de Macroeconomia Aplicada da Escola de Economia de São Paulo da FGV (FGV EESP).
Os dados do mais recente estudo se referem ao fim de junho e foram disponibilizados com defasagem de até dois meses pelas fontes primárias. O cálculo é feito para a taxa real de câmbio efetiva. No fim do ano passado, esse desalinhamento estava em torno de 10%.
A taxa cambial tem se mostrado mais fraca que o sinalizado pelos fundamentos desde fevereiro de 2020, um pouco antes de a pandemia chacoalhar os mercados financeiros globais. Trata-se de uma das mais longas séries negativas desde a década de 1980.
Marçal explicou que com a melhora dos fundamentos --balança comercial, termos de troca, maior diferencial de juros...-- a taxa real efetiva de equilíbrio se valorizou (ou seja, o dólar de equilíbrio ficou mais fraco). Por outro lado, renovadas preocupações fiscais e incertezas sobre a política monetária nos Estados Unidos acabaram pressionando a cotação nominal para cima. Com esse distanciamento entre taxa nominal e taxa de equilíbrio, o desvio negativo se manteve elevado.
Nos últimos meses, o risco político voltou a aumentar conforme o governo se viu mais pressionado por investigações da CPI da Covid contra a gestão do Executivo na pandemia. Com isso, o presidente Jair Bolsonaro precisou ceder mais espaço ao centrão, tradicionalmente um demandante de mais gastos, fragilizando a posição do ministro da Economia, Paulo Guedes, e num aceno à eleição de 2022.
"Cada vez mais a eleição do ano que vem vai começar a entrar no radar das pessoas. Muita coisa está em aberto. Devem continuar esse sobe e desce, as flutuações", disse Marçal.
Nesse sentido, o desvio negativo da taxa de câmbio deve persistir até o fim do ano, avaliou o estudioso.
"A pressão é de mais gastos para o ano que vem. O governo não vai conseguir tocar nenhuma reforma importante neste ano. E temos que ficar atentos à questão da política monetária."