Por Carlos Fernando Souto
O executivo federal encaminhou, como se sabe, dias atrás, uma proposta de reforma tributária ao congresso nacional. Essa reforma é como esgoto a céu aberto. E, lamento informar, a culpa é toda sua.
Você sabe quem foram os últimos presidentes do Brasil ou do Congresso nacional ou, ainda, do Supremo Tribunal Federal? Esses nomes, acreditando que muitos os conheçam, são inspiradores, geram esperança, construíram legados virtuosos, contribuíram na construção de um país melhor?
Se compararmos esses nomes com Marie Curie, Richard Feynman, Vasili Arkhipov, Steve Jobs, Paul Johnson, Jennifer Doudna, Irineu Evangelista de Sousa, Manuel Francisco dos Santos, John Pierpont Morgan, AJ Renner, Thomas Sowell ou Moacir Santos, a que conclusão chegaremos?
Perceberíamos universos paralelos, como o dia está para a noite.
Enquanto aqueles são a clara noção de sentimentos ambíguos, estes são, cada um a seu jeito, talentos empreendedores e virtuosos de impérios que transcendem os limites das suas individualidades e que fazem a sociedade, acredite, melhor.
Enquanto os primeiros entram para a história como páginas a serem, muitas vezes, não repetidas, os segundos escreveram histórias que orgulham e dão vida. Essa comparação, para além de desigual, serve também para refletirmos a respeito de quem somos, de nossas escolhas e preferências e, sobretudo, para denunciar as nossas inconsistências.
As mazelas dos representantes do poder público são as nossas mazelas. Somos, em boa medida, iguais a eles. Não fosse assim, não teriam chegado aonde chegaram e não fariam o que fazem, com toda a atenção que recebem.
Não adianta reclamar deles porque provavelmente você não fez o suficiente para que a situação fosse diferente e, estando lá, talvez fizesse a mesma coisa ou até pior.
No fundo, o que queremos é precisamente aquilo que criticamos: privilégios.
Não por acaso sabemos menos sobre os citados por último, que chegaram aonde chegaram por conta de seus esforços, sofrimento e muito trabalho.
Queremos privilégios, sinecuras, benefícios rápidos. Não queremos riscos nem trabalho. Esse é o nosso problema. Querem ver como tenho razão?
A Corsan, companhia de água e esgoto gaúcha, está no mercado há mais de 50 anos. Pois bem, a Corsan paga milhões em dívidas trabalhistas por ano, mas universaliza apenas 16,3% do esgotamento sanitário. Como uma empresa que tem o monopólio de um serviço essencial pode ter uma performance tão inaceitável? Que tipo de sociedade dá de ombros para um descalabro desse vulto, sabendo-se que o tratamento de esgoto é questão central de saúde pública?
A Corsan é como o nosso governo, qualquer governo. A Corsan, em boa medida, é você. A Corsan é a causa da proposta de reforma que pretende aumentar a carga tributária. E o aumento da carga tributária é a marca de uma sociedade que, na esperança do fácil, não necessariamente prioriza o certo. No nosso código moral, incorporamos a ideia de privilégios, de ganhos sem trabalho, sem construção, sem contrapartida.
Para sair do esgoto a céu aberto, é preciso investir no tratamento desse esgoto. Isso requer muitas mudanças. Mudanças difíceis.
Para que a reforma tributária reduza a carga de tributos em vez de aumentá-la é necessário que, antes, você mude. É necessário que você valorize o trabalho e a ética, renuncie ao cinismo da esperança vã e assuma as suas próprias responsabilidades.
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Antes de entregar dinheiro para o governo, pense que esses recursos poderiam estar em mãos melhores, mais éticas, mais trabalhadoras, mais competentes. E que essas mãos poderiam ser as suas próprias mãos. Mas não por privilégio e, sim, por merecimento.
Se a despesa pública fosse menor e melhor, se o esgoto fosse tratado, a reforma tributária seria outra. Portanto, de uma vez por todas, saia moralmente do esgoto para que se possa ter menos tributos.